Emily


Acabo de regressar da visita que fiz ao meu senhorio – o único vizinho que poderá perturbar o meu isolamento. Esta região é sem dúvida magnífica! Sei que não poderia ter encontrado em toda a Inglaterra outro lugar como este, tão retirado, tão distante da mundana agitação. Um paraíso perfeito para misantropos: Mr. Heathcliff e eu próprio formamos a parceria ideal para partilhar esse isolamento. Um tipo formidável, este Heathcliff! Mal ele sabia como eu transbordava de cordialidade quando os seus olhos desconfiados se esconderam sob os cílios, ao ver-me cavalgar na sua direcção, e quando os seus dedos resolutos e ciosos se acoitaram mais fundo nos bolsos do colete quando lhe disse o meu nome.

- Estou a falar com Mr. Heathcliff? – perguntei.

Aquiesceu com a cabeça.

- Sou Mr. Lockwood, o seu novo inquilino. Quis ter a honra de vir visitá-lo logo após a minha chegada, para lhe apresentar as minhas desculpas e lhe dizer que espero não o ter importunado demais com a minha insistência em alugar a Granja dos Tordos: constou-me ontem que o senhor tinha dito que…

- A Granja dos Tordos é propriedade minha, meu caro senhor – atalhou ele, arredio – e, se puder evitá-lo, não permito que ninguém me importune. Entre!

Este “entre” foi proferido entre dentes e o sentido que exprimia era mais um “Vá para o Diabo”; até a cancela a que se arrimava se quedou imóvel, insensível ao convite. Convite que, acho eu, acabei por aceitar movido pelas circunstâncias: acicatava-me a curiosidade, este homem que parecia, se possível, ainda mais reservado do que eu.

(…)

O meu regresso a casa foi demorado, devido ao desvio que fiz pela igreja. Ao olhar para as paredes, verifiquei que sete meses haviam bastado para a degradação avançar: muitas eram as janelas que ostentavam negros buracos onde faltavam vidraças; aqui e além havia telhas fora do alinhamento que não tardariam a ser arrancadas pelas intempéries do Outono.

Procurei, e não tardei a encontrar, as três lápides na encosta que desce para o brejo: a do meio, cinzenta e meio coberta pela urze; a de Edgar Linton, por enquanto só debruada de ervas e musgo; a de Heathcliff, ainda nua.

Por ali me demorei, sob um céu propício, observando as borboletas que esvoaçavam entre as urzes e as campainhas-do-monte, ouvindo a brisa suave que de mansinho agitava a relva, perguntando a mim mesmo como seria possível alguém imaginar que macabras deambulações perturbassem o sono dos que ali repousavam na terra tranquila.

Emily Brontë, O Alto dos Vendavais
Tradução de Ana Maria Chaves

2 comments:

por este livro sopra a vontade e a vingança do amor.
Heathcliff é dos meus personages de sempre pelo que o amor lhe consome e lhe devolve no final, a morte.

oh meu amigo, como me honras... :) convite aceite!

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