O Físico Prodigioso
"Balanceando o erecto corpo ao passo do cavalo, vinha descendo a encosta. O sol, muito alto ainda, iluminava de crepitações o vale que, selvárico, se abria ante o seu olhar que pervagava abstracto, sem distinguir o mato que floria, as pedras que rebrilhavam pardas e cinzentas, os pequenos animais que esvoaçavam, corriam, rastejavam, ou se ficavam suspensos, sem temor, fitando a mole imensa e caminhante de cavalo e cavaleiro. No fundo do vale, por entre os renques de choupos e salgueiros, entrecortada estava a chapa metálica e estreita de um rio. Foram para ele descendo, o cavaleiro, na mesma direcção absorta, sofreando o passo, que se apressava agora, do sedento cavalo, cujas narinas se dilatavam.
(...)
O velho chegou ao caminho e era mais fácil puxar o carro. Seguiu o arbusto que rolava seco no vento e que parou enganhcado noutro à beira do caminho. Deitada no carro, a jovem cantava em voz baixa, uma cantiga que cortava o coração do velho:
O carro ia passando, e dele vinha um cheiro como o da roseira, só que mais acre.
... e o carro estacou sob um peso acrescentado e súbito. Ela sentou-se e não viu ninguém. O velho, ficando os pés, recomeçou a puxar. Ela sentiu uns braços que a abraçavam e nos lábios a pressão de outros lábio; e havia um corpo que ternamente se encostava ao seu.
Quando o carro acabou de passar, a roseira ressequida desprendeu-se, e foi rolando no vento."
Jorge de Sena, O Físico Prodigioso
Edições Asa
Hum...
JV
Anónimo disse... 18.5.06
pois é, li acabei e adorei, obrigada JV
ana disse... 19.5.06
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