Anjos do céu
Paul Auster
Timbuktu (2002)
Colecção FNAC de Bolso, Edições ASA/FNAC
(tradução de José Vieira de Lima)
Mr. Bones sabia que Willy já não ia andar muito tempo neste mundo. A tosse não o largava havia mais de seis meses e agora é que ele já não tinha nem a mais remota hipótese de se ver livre dela. Lenta e inexoravelmente, sem nunca dar mostras de abrandar, a coisa ganhara vida vida própria, avançando de uma vaga farfalheira cheia de muco, no dia 3 de Fevereiro, para as convulsões escarrentas e os arquejantes terramotos de monco e pus no pino do Verão. Tudo isso já era suficientemente mau, mas, nas duas últimas semanas, infiltrara-se na música brônquica uma nova tonalidade - uma coisa tensa, silenciosa, percussiva - e os ataques, agora, sobrevinham tantas vezes que eram quase constantes. Sempre que um desses ataques começava, Mr. Bones ficava meio à espera que o corpo de Willy explodisse à mercê daqueles paus de dinamite que rebentavam na sua caixa torácica. Imaginava que o sangue seria o próximo passo, e quando esse momento fatal finalmente chegou naquela tarde de sábado, foi como se todos os anjos do céu tivessem aberto a boca e desatado a cantar.
(...)
E foi assim que naquela resplandecente manhã de Inverno na Virginia, Mr. Bonés, também conhecido por Sparkatus, o companheiro inseparável do malogrado poeta Willy G. Christmas, tratou de provar que era um campeão entre os cães. Um passo em frente e disse adeus às ervas, postando-se na berma leste da auto-estrada. Esperou por uma pausa no trânsito e, então, desatou a correr. Embora muito fraco, tinha ainda um resto de vigor nas pernas, e a partir do instante em que apanhou o ritmo, sentiu-se tão forte e tão feliz como não se sentia há muitos meses. Correu para o ruído, para a luz, para o clarão e o fragor que se abatia sobre ele vindo de todas as direcções.
Com alguma sorte, estaria com Willy antes que escurecesse
Timbuktu (2002)
Colecção FNAC de Bolso, Edições ASA/FNAC
(tradução de José Vieira de Lima)
Mr. Bones sabia que Willy já não ia andar muito tempo neste mundo. A tosse não o largava havia mais de seis meses e agora é que ele já não tinha nem a mais remota hipótese de se ver livre dela. Lenta e inexoravelmente, sem nunca dar mostras de abrandar, a coisa ganhara vida vida própria, avançando de uma vaga farfalheira cheia de muco, no dia 3 de Fevereiro, para as convulsões escarrentas e os arquejantes terramotos de monco e pus no pino do Verão. Tudo isso já era suficientemente mau, mas, nas duas últimas semanas, infiltrara-se na música brônquica uma nova tonalidade - uma coisa tensa, silenciosa, percussiva - e os ataques, agora, sobrevinham tantas vezes que eram quase constantes. Sempre que um desses ataques começava, Mr. Bones ficava meio à espera que o corpo de Willy explodisse à mercê daqueles paus de dinamite que rebentavam na sua caixa torácica. Imaginava que o sangue seria o próximo passo, e quando esse momento fatal finalmente chegou naquela tarde de sábado, foi como se todos os anjos do céu tivessem aberto a boca e desatado a cantar.
(...)
E foi assim que naquela resplandecente manhã de Inverno na Virginia, Mr. Bonés, também conhecido por Sparkatus, o companheiro inseparável do malogrado poeta Willy G. Christmas, tratou de provar que era um campeão entre os cães. Um passo em frente e disse adeus às ervas, postando-se na berma leste da auto-estrada. Esperou por uma pausa no trânsito e, então, desatou a correr. Embora muito fraco, tinha ainda um resto de vigor nas pernas, e a partir do instante em que apanhou o ritmo, sentiu-se tão forte e tão feliz como não se sentia há muitos meses. Correu para o ruído, para a luz, para o clarão e o fragor que se abatia sobre ele vindo de todas as direcções.
Com alguma sorte, estaria com Willy antes que escurecesse
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