Uma identidade intemporal

Jane Goodall (com Phillip Berman)
Motivo de Esperança. Um Percurso Espiritual (2001)
Círculo de Leitores
(tradução de Inês Curado Ribeiro)





Esta é uma história sobre uma viagem
, a viagem de um ser humano através de sessenta e cinco anos de existência terrena: a minha viagem. Tradicionalmente, uma história começa pelo início. Mas o que é o início? É o momento que nasci, dotado de toda a encantadora fealdade de um bebé recém-nascido, num hospital de Londres? Terá sido o primeiro oxigénio que respirei que me fez gritar de dor, indignada por ter sido forçada a abandonar o útero materno? Ou será que devemos referir um tempo anterior, no mais secreto espaço, onde, no escuro, um ondulante espermatozóide - um entre milhões - conseguiu penetrar num pequeno óvulo - esse corpo fértil que biológica e magicamente se transforma depois num bebé? Mas, esse não é, de facto, o início.

(...)

Lembrei-me de estar deitada no meu quarto, com muito verde em redor - Vanne confirmou, as cortinas eram verdes e as carpetes também. E recordei-me de observar uma grande libélula azul que entrara pela janela. Protestei quando a ama a tentou afastar, mas ela retorquiu que me podia picar e que tinha um ferrão tão grande quanto o «rabo» (referindo-se, é claro, ao abdómen). Mas que grande ferrão! Não admira que me tenha assustado tanto quando outra libélula zumbiu à volta do meu carrinho. Mas o facto de recear o insecto não significa desejar a sua morte. Se fechar os olhos, posso ainda ver, com uma clareza quase insuportável, as magníficas asas ainda trémulas, o «rabo» azul brilhando à luz do Sol, a cabeça esmagada contra o passeio. Aquele ser tinha morrido por minha causa, provavelmente em sofrimento. Gritei devido a uma revolta inútil e a um terrível sentimento de culpa.
Talvez tenha vivido toda a minha vida a tentar atenuar essa culpa. Talvez a libélula fizesse parte de algum propósito, destinado a trazer uma mensagem a uma criança pequena, há tantos anos atrás. Se assim for, tudo o que posso responder a Deus é «Mensagem recebida e compreendida». Tentei aliviar a culpa que todos nós devíamos sentir pela desumanidade com que tratamos homem e animal. E assim, munida do apoio de todos aqueles que demonstram possuir um coração compassivo e afectuoso, continuarei a tentar até ao fim. E o fim ... será apenas o começo?

(Negritos da minha inteira responsabilidade!)

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