Trainspotting

Trainspotting
Irvine Welsh
Relógio D’Água
[Tradução: Paulo Faria]


O Marado estava encharcado em suor e tremia imenso. Eu tava sentadinho no meu canto a olhar para a televisão e a fazer um esforço enorme para não reparar no gajo. A má onda dele já me começava a contagiar. Tentei concentrar-me no vídeo do Jean-Claude Van Damme.
Como sempre neste género de fitas, logo a abrir havia uma cena dramática à brava. A seguir havia umas peripécias rocambolescas só para aumentar a tensão, apresentar o chefe dos maus e esboçar um enredo colado com cuspo. A qualquer momento, o amigo Jean-Claude ia começar a distribuir porrada de criar bicho.
-Tenho de ir ter com a Madre Superior, Rents – arfou o Marado, a abanar a cabeça.
- Bolas! – disse eu. Queria era que aquele chalado me desaparecesse da vista, que se desenrascasse sozinho e me deixasse em paz a ver o Jean-Claude. Mas a verdade é que não tardava muito e eu próprio também me ia começar a sentir na merda, e se aquele gajo fosse comprar o produto sem mim, de certeza que me deixava pendurado. Chama-lhe Marado mas não é por ele estar sempre marado dos com o síndrome de abstinência, é por ele ser mesmo marado dos cornos. [...]


Ironicamente, era Begbie a chave do seu destino. Roubar os amigos era o delito mais grave do seu código de honra, e ele exigiria a aplicação da pena máxima. Renton usara Begbie, usara-o para queimar os seus barcos definitivamente, sem apelo nem agravo. Begbie era a garantia de que nunca mais poderia regressar. Tinha feito o que queria fazer. Agora já mais poderia voltar a Leith, a Edimburgo; nem sequer à Escócia. Aí, não podia ser outra coisa senão aquilo que sempre fora. Agora, livre de todos eles, duma vez por todas, ia poder ser aquilo que quisesse. Resistiria ou cairia sozinho. Esta ideia aterrorizava-o e excitava-o simultaneamente, enquanto imaginava a sua vida futura em Amesterdão.

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